Mais do que um fruto batido para ser combinado com granola e doces em um dia de calor, o açaí é a base alimentar e fonte de renda para comunidades amazônicas. As secas prolongadas e ondas de calor, que levam a diferentes regimes de chuva e estiagem, causadas pelas mudanças climáticas, alteram o desenvolvimento e o cultivo das palmeiras do fruto. Segundo o Ministério da Agricultura e Pecuária, em 2023, a exportação do açaí correspondeu a mais de 300 mil dólares, com um aumento de 41% em relação ao ano anterior. Os Estados Unidos são os maiores compradores do produto, além de Austrália e Japão. A Índia também autorizou as transações para o açaí brasileiro em pó, e já havia aberto a entrada do suco no país em 2022. O Pará é responsável por mais de 90% das vendas para o exterior e abastece grande parte do mercado interno.
Rico em vitaminas A, C, e E, ferro, potássio e cálcio, em fibras, e com propriedades antioxidantes, o açaí é um alimento com alto valor nutricional, que, na região amazônica, é tradicionalmente adotado em diversas refeições. O fruto é difícil de ser mastigado, por isso, é consumido em pasta ou líquido. As populações locais, que não usam conservantes como a indústria faz para comercialização, batem o açaí com água para conservar suas propriedades, pois o fruto começa a oxidar depois de cerca de 72 horas da colheita. Além do conhecido prato da região, de açaí batido, farinha e peixe, “tomam mingau (de açaí), merendam mingau, jantam açaí", contou, à Amazônia Real, a presidenta da Associação dos Agroextrativista, Pescadores e Artesãos de Pirocaba (Asapap) Daniela Araújo. E acrescentou: "As pessoas falam até que é como se não tivessem almoçado porque não teve o açaí”. Apesar da importância, as comunidades extrativistas têm relatado problemas nas safras, em casos nos quais o fruto não amadurece ou nem chega a começar a se desenvolver.
Fonte: Reprodução / Agência de Notícias do Acre (Foto: Marcos Vicentti / Secom)
Antes da questão climática, a produção de açaí pelos extrativistas locais tinha um ciclo saudável: no período entre as safras, os moradores manejavam do açaí, ou seja, faziam o corte das palmeiras em áreas determinadas, a cada ano. Essa técnica permitia que se optasse por manter outras espécies preservadas dentro dos açaizais. Desse modo, os açaizais se mantinham produtivos. Mas, conforme a pesquisa "Mudanças climáticas podem afetar o futuro do extrativismo na Amazônia brasileira" (traduzida do inglês), publicada em 2021, de cientistas brasileiros de cinco universidades, aponta, até 2050, as áreas que têm o clima adequado ao extrativismo na Amazônia Legal vão passar por uma queda de 91% de sua extensão. "Muitas populações tradicionais que habitam a região dependem de recursos florestais não madeireiros para alimentação ou sustento econômico", destaca o estudo. Eles observaram a distribuição geográfica de 18 espécies de palmeiras e árvores que são extraídas e utilizadas como recursos por populações tradicionais que vivem em reservas extrativistas (RESEX), e observaram que correm risco de desaparecer ou ter redução no desenvolvimento. "A floresta amazônica é vulnerável às mudanças climáticas e ações antrópicas, como incêndios e desmatamentos , que juntos representam um cenário preocupante", explicaram.
De acordo com o Sexto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), em 2021, a alimentação é uma das principais áreas ameaçadas pela crise climática, e apontou que o setor da agricultura vai ter sua produtividade comprometida. O produtor artesanal de açaí em Santa Luzia, margem do Rio Tapajós, no oeste do Pará, expôs ao O Globo que sua produção já sofre uma perda. "Cada safra, que rendia até 800 latas do fruto, agora dá metade disso", disse. A insegurança alimentar que pode ser causada pela perda dessa planta chega a ser irônica quando lembrada a narrativa indígena que explica sua origem. Conforme histórias tradicionais, o açaí surgiu por meio de um pedido por alimento em um momento de escassez, assim, se tornou símbolo de sobrevivência para essas populações. “É um alimento consumido há séculos. Faz parte de tradições culinárias, rituais e festividades, sendo um símbolo de identidade cultural. O conhecimento sobre o cultivo, manejo, colheita e preparo do açaí é transmitido oralmente entre gerações, representando um patrimônio cultural imaterial de grande valor”, constatou, ao O Eco, a nutricionista, mestre em saúde pública e pesquisadora em sistemas alimentares com experiência na Amazônia, Juliana Licio.
Autor:
Mylena Larrubia
Referências:
Comments